Caminhos de espiritualidade: cultura de paz, não-violência, mística, autoconhecimento, compaixão e cuidado pelos seres e pela terra

19 de dez. de 2009

POSSUI ESSE CAMINHO UM CORAÇÃO?


Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo quando assim ordena o seu coração (...) Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias... Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma.


(Carlos Castañeda, Os ensinamentos de Don Juan).


Que em 2010 sejamos guiados pela pergunta:

POSSUI ESSE CAMINHO UM CORAÇÃO?

15 de out. de 2009

30 de set. de 2009

Só Deus basta


"Nada te perturbe
Nada te espante,
Tudo passa,
Deus não muda,
A paciência tudo alcança.
Quem tem Deus
Nada lhe falta
Só Deus basta."

Santa Teresa de Ávila

13 de set. de 2009

Uma Cerimônia de Chá Tibetana


Patrul Rinpoche acampava próximo ao lugar da famosa parede de pedras mani que sua encarnação anterior, Palgyé Tulku, havia começado e que ele mesmo havia completado. Era o ponto mais alto do inverno quando, bem cedo de manhã, uma garotinha vestindo uma roupa surrada de pele de marmota entrou em sua tenda.

Patrul perguntou porque ela saiu tão cedo num tempo tão ruim. A garotinha, congelada até os ossos, respondeu que estava procurando pela sua iaque fêmea.

O benevolente sábio ancião disse, "Venha, tenho algum chá quente e mingau."

Os nômades tibetanos geralmente carregam suas tigelas de madeira para chá nas dobras das roupas. Quando Sotsé, o ajudante de Patrul, estava prestes a servir o chá, ele percebeu que a menina não tinha sua xícara com ela. Patrul imediatamente retirou sua própria tigela da mesa em frente, encheu-a com chá amanteigado quente e farinha torrada de cevada, e entregou-a para a garota.

A tímida criança hesitou; O ajudante de Patrul também surpreendeu-se... É impensável que uma pessoa comum beba do recipiente de um grande lama. Mas com o encorajamento do mestre, ela finalmente colocou a tigela nos lábios e bebeu, instintivamente aquecendo simultaneamente as mãos na morna madeira polida.

Patrul Rinpoche ficou satisfeito em ver a criança relaxar. Depois de ingerir a comida e bebida quentes, ela limpou completamente o recipiente com a imunda pele de sua roupa de marmota. Então, com ambas as mãos esticadas, ela respeitosamente devolveu o recipiente a Patrul.

"Talvez minha xícara estivesse muito suja pra ti, pequenina, já que quisestes limpá-la!" implicou Patrul. Sem lavá-la, ele serviu algum chá para si próprio.

Ele então pediu a seu discípulo Sotsé ajudar a criança a encontrar o iaque perdido. "E mantenha as mãos dela quentes!" ordenou Patrul.


(Conto tradicional Tibetano, extraído do site: http://www.sintoniasaintgermain.com.br)


8 de ago. de 2009

GANDHI E A NÃO VIOLÊNCIA, por LIA DISKIN


A respeito disso Gandhi afirma: “Pode garantir-se que um conflito foi solucionado
segundo os princípios da não-violência se não deixa nenhum rancor entre os inimigos e os
converte em amigos”. Isto revela uma ousadia intelectual que amplia nosso entendimento
da condição humana, ao mesmo tempo que promove a criação de um número maior de
alianças para fortalecer o tecido social sobre bases de convivência confiável que, por sua
vez, abrem caminho para a Paz.
É oportuno lembrar que Gandhi testou suas idéias nos tribunais, em meio a
manifestações populares inflamadas, no cárcere junto a dissidentes políticos, entre
parlamentares e até com representantes da coroa britânica. Não é um teórico nem um
acadêmico, mas um político, um cientista social e articulador paciente e persistente.
Tampouco é um romântico que ignora a sedução que exerce em todos nós a sede de poder,
de reconhecimento e de riquezas. Todavia, acredita firmemente na condição transformadora
das forças espirituais que desencadeiam o legado das religiões, independente da cultura
onde tenham florescido. Ele diz a respeito de si mesmo: “Não sou um santo que se tornou
político. Sou um político que está tentando ser santo”.
Referências inspiradoras da sua trajetória. Filho de mercadores, Mohandas
Karamchand Gandhi nasceu em 2 de outubro de 1869, na cidade de Porbandar, na costa
ocidental do norte da Índia. Apesar da admiração que nutria pelo pai – administrador e
funcionário público muito respeitado na comunidade – foi a personalidade de sua mãe,
Putlibai, que exerceu influência definitiva na vida espiritual daquele que se tornaria
Mahatma. (grande alma)
Profundamente religiosa e considerada santa pelo próprio Gandhi, não fazia uma
refeição sem rezar; freqüentava diariamente o templo; jejuava todos os meses com o
propósito de purificação; impunha-se penitências que sempre cumpria e nunca deixava de
atender com extrema boa vontade aos necessitados. Era devota do deus Vishnu, e
observava os preceitos do hinduísmo com alegria e entusiasmo singular.
Esses preceitos estão contidos no Bhagavad Gita, que reúne harmonicamente todas
as disciplinas fundamentais da complexa tradição religiosa indiana, e foi o livro de
cabeceira de Gandhi até seus últimos dias. Ele recitava decor seus dezoito capítulos, e
escreveu um extenso comentário sobre o mesmo à luz dos novos desafios que apresentava o
século XX.
Entretanto, e paradoxalmente, é em Londres que toma conhecimento das riquezas
oferecidas à humanidade pela sua cultura natal. É em Londres também que entra em
contato com a Bíblia, identificando-se de maneira particular com o Sermão da Montanha;
descobre as idéias de Tolstoi, Thoreau, Emerson, Ruskin e os socialistas utópicos, que
estarão presentes na sua concepção política balizada pela ética e a justiça.
Em busca da paz. Permanece em Londres durante três anos; os estritamente
necessários para completar seus estudos de Direito, formar-se advogado e ser admitido na
Corte Suprema Inglesa. Retorna à Índia e logo parte para a África do Sul, onde
permanecerá vinte anos. É ali que vive as humilhações do apartheid, que se depara com
uma sociedade racista e predadora, que sofre os horrores do cárcere e dos trabalhos
forçados. É ali também que nasce o líder político e se gesta a arquitetura da mobilização
social das massas de forma não violenta.
Inspirado nos valores de solidariedade e respeito por todas as formas de vida que
preconiza o Bhagavad Gita, e na revelação da resistência pacífica que havia encontrado na
figura de Jesus no Sermão da Montanha, Gandhi cunha o termo satyagraha, que
literalmente significa “afirmação da verdade” o “triunfo da verdade pelas forças do espírito
e do amor”. O binômio satyagraha/ahimsa – ater-se à verdade e à não violência – constitui
o fundamento da convivência pacífica, que requer um empenho constante por parte de
governos e povos para conciliar interesses e oferecer cooperação em benefícios de todos.
A paz para Gandhi é a condição na qual é possível desenvolver todo o potencial
humano, promover a auto-realização individual e fortalecer o sentimento de comunidade
entre os seres vivos. Isso não exclui o conflito. Muito pelo contrário, ele é necessário para
legitimar a pluralidade de idéias e a diversidade cultural que, em mútua fecundação e
tensão criativa, permitem levantar questões novas oferecendo respostas originais que
mantém aberto o caminho de aperfeiçoamento progressivo das relações democráticas.
Gandhi hoje
A experiência viva de Gandhi foi continuada por quase todos os
“revolucionários” pacifistas do século XX. Notadamente Martin Luther King Jr., Desmond
Tutu, Nelson Mandela, Vaclac Havel e outros, cujas ações construtivas na esfera
econômica, social, política, cultural e religiosa afirmam os princípios mais elevados do
Amor e a Justiça.
A atualidade de suas experiências está evidenciada no fato de ser referência
unânime em todos os estudos e pesquisas contemporâneos sobre cultura de paz, mediação
de conflitos, autogestão/empoderamento, diálogo inter-religioso, simplicidade voluntária e
responsabilidade social. Atualidade endossada nas palavras de Martin Luther King Jr.:
“Gandhi era inevitável. Se a humanidade há de progredir, não poderá esquecer Gandhi. Ele
viveu, pensou e agiu inspirado pela visão da humanidade evoluindo para um mundo de paz
e harmonia. Se ignorarmos os seus ensinamentos, não poderemos queixar-nos”.


Texto extraído de:
http://www.mettaolhar.com.br/

4 de jul. de 2009

Reflexões sobre o Deserto, de Jean-Yves Leloup

Partir para o deserto
É partir
Para o mais longe
De si mesmo


...


E dali depois voltar
Para o mais perto de si mesmo



No deserto
Descobre-se
A pátria


...


E então vem a partida
Da grande miragem comum



No deserto
Duas certezas:
A sede - a poeira.
Entre estas duas
Certezas:
Uma dúvida
Um desejo:
Água!...


(Trechos extraídos de Jean-Yves Leloup, in: Deserto, Desertos - Editora Vozes)

28 de jun. de 2009

27 de jun. de 2009

O desapego, por Mestre Eckhart


"Enquanto sou isto ou aquilo, ou tenho isto ou aquilo, não sou todas as coisas nem tenho todas as coisas. Torna-te puro até não seres nem teres isto ou aquilo; serás então onipresente e, não sendo isto nem aquilo, serás todas as coisas".


(Mestre Eckhart)

19 de jun. de 2009

Prece de aspiração para todos os seres vivos(adaptado dos “Princípios da Carta da Terra”) por Lama Norbu

A interdependência entre todos os seres vivos requer que tenhamos um senso compartilhado de responsabilidade pela sobrevivência e pelo bem estar dos membros desse planeta. Para conseguirmos isso, é necessária uma aspiração compassiva, que pode ser compartilhada entre todos os que valorizam a alegria e a diversidade da vida:
Que possamos reconhecer o valor de todas as formas de vida, afirmando a dignidade e a interdependência inerente a todos os seres vivos, assim como o potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.
Que possamos cuidar dessa comunidade de vidas com amor e compaixão, compreendendo a responsabilidade universal de prevenir danos ao meio ambiente, proteger os direitos de todos os seres, e promover o bem comum.
Que possamos assegurar que os direitos humanos, a liberdade fundamental e a justiça social e econômica sejam supridas a toda a comunidade da humanidade.
Que possamos considerar cuidadosamente as conseqüências de nossas ações, compreendendo o profundo efeito que terão em gerações futuras, e nos esforçar para deixar um legado de generosidade e abundância, para apoiar o florescimento a longo prazo dos recursos naturais da Terra e das comunidades humanas e ecológicas.
Que possamos manifestar nossa crença no valor de todas as vidas ao assumir nossa responsabilidade como cidadãos do mundo.
Que possamos proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra.
Que possamos evitar danos ao meio ambiente dando apoio a ecossistemas sustentáveis e à diversidade biológica, adotando métodos de produção e consumo que minimizem a degradação ambiental.
Que possamos encorajar a aplicação tanto do conhecimento científico atual como da sabedoria antiga em favor da sustentabilidade ecológica.
Que possamos capacitar e apoiar os menos privilegiados, assegurando-lhes equanimidade econômica e social, eliminando qualquer forma de discriminação.
Que possamos eliminar a corrupção e encorajar as instituições a serem ambientalmente responsáveis.
Que possamos tratar todos os seres vivos com respeito e consideração, promovendo a cultura de tolerância, não-violência, paz e compreensão.
(Texto extraído de Chagdud Gonpa Odsal Ling)

8 de jun. de 2009

Nostalgia de Estrelas

"(...) quanto mais procuro conhecer-me a mim mesmo, tanto me escapa o meu verdadeiro eu, soma ridícula de memórias genéticas ou de memórias adquiridas. Meu desejo é tão pouco o meu desejo, meu pensamento tão pouco o meu pensamento; não sou mais que uma combinação incerta de acasos e encontros; minhas palavras são as palavras da tribo, e os meus átomos, nostalgias de estrelas. O ruído dos mundos corre nas minhas veias e eu insisto em continuar dizendo "eu"! ".
(Trecho extraído de Jean-Yves Leloup, in: Deserto, Desertos, Ed. Vozes)

6 de jun. de 2009

Ensinamentos: A Medicina do Altruísmo, por Dalai Lama

No Tibet nós dizemos que muitas doenças podem ser curadas pela medicina do amor e da compaixão. O amor e a compaixão são a base estrutural da felicidade humana e a sua necessidade se encontra no núcleo de nosso ser. Infelizmente há muito tempo o amor e a compaixão vêm sendo omitidos das esferas de interação social. Atualmente estes valores são vividos na família e no lar, e seu uso na vida pública é considerado impraticável e até ingênuo. Isto é trágico. No meu ponto de vista, a prática da compaixão não é simplesmente um sintoma de idealismo não realista, mas o caminho mais eficiente de dedicar-se com afinco aos interesses dos outros do mesmo modo como nos dedicamos aos nossos. Quanto mais nós — como uma nação, um grupo ou indivíduos — dependermos um dos outros, maior deverá ser o interesse em assegurarmos o bem estar uns dos outros.
Praticar o altruísmo é a real fonte de compromisso e cooperação; somente reconhecer a nossa necessidade de harmonia não é o suficiente. Uma mente comprometida com a compaixão é como um reservatório que está transbordando — é uma fonte constante de energia, determinação e bondade. É como uma semente; quando cultivada germina muitas outras boas qualidades, tais como o perdão, a tolerância, a força interna e a confiança para superar o medo e a insegurança. A mente de compaixão é como um elixir; é capaz de transformar uma má situação em uma situação benéfica. Conseqüentemente, nós não devemos limitar nossa expressão de amor e compaixão à nossa família e amigos. A compaixão não é somente uma responsabilidade do sacerdócio, da medicina e de trabalhadores sociais. É o empreendimento necessário em todas as esferas da comunidade humana.
Se um conflito se encontra no campo da política, negócios ou religião, a abordagem altruísta é freqüentemente o único meio de resolvê-lo. Às vezes os muitos conceitos que usamos para mediar uma disputa são os mesmos que causaram o problema. Nesse caso, quando uma resolução parece ser impossível, ambos os lados deveriam recordar da natureza humana básica que as une. Isto ajudará a quebrar o impasse e em longo prazo, ficará mais fácil para que todos alcancem seu objetivo. Embora nenhum lado possa ficar inteiramente satisfeito, se ambos fizerem concessões, no mínimo, o perigo de um conflito adicional estará prevenido. Nós sabemos que esta forma de acordo é a maneira mais eficaz de resolver problemas — por que, então, nós não a usamos mais freqüentemente?
Quando eu levo em consideração a falta da cooperação na sociedade humana, eu concluo que ela se origina na ignorância de nossa natureza interdependente. Eu sou freqüentemente comovido pelo exemplo dos pequenos insetos, como as abelhas. A lei da natureza dita que as abelhas trabalhem juntas a fim de sobreviver. Como conseqüência, elas possuem um sentido instintivo de responsabilidade social. Elas não têm nenhuma constituição, leis, polícia, religião ou treinamento moral, mas por causa de sua natureza trabalham fielmente juntas. Ocasionalmente elas lutam, mas no geral a colônia inteira sobrevive baseada na cooperação. Os seres humanos, ao contrário, têm constituições, amplos sistemas legais e forças policiais; nós temos religião, uma inteligência notável e um coração com grande capacidade de amar. Mas apesar de termos muitas qualidades extraordinárias, na prática ficamos para trás em relação àqueles insetos pequenos; de alguma forma, eu sinto que nós somos mais pobres do que as abelhas.
Por exemplo, milhões de pessoas vivem juntas em cidades grandes por todo o mundo, mas apesar desta proximidade muitos são sós. Alguns não têm nem mesmo um ser humano com quem compartilhar seus sentimentos mais profundos e vivem em um estado de perturbação perpétua. Isto é muito triste. Nós não somos animais solitários que nos envolvemos com alguém somente a fim de se reproduzir. Se fôssemos, por que construiríamos centros e cidades grandes? Mas mesmo sendo animais sociais obrigados a viver juntos, infelizmente nos falta o sentido de responsabilidade com nossos companheiros seres humanos. Será que a falha se encontra em nossa arquitetura social — a estrutura básica da família e da comunidade em que se baseiam nossa sociedade? Será que a falha está em nossas facilidades exteriores — nossas máquinas, ciência e tecnologia? Eu acho que não.
Eu acredito que apesar dos rápidos avanços feitos pela civilização neste século, a causa mais próxima de nosso dilema atual é a nossa ênfase excessiva no desenvolvimento material. Nós tornamo-nos tão absortos em sua perseguição que, mesmo sem saber, nós negligenciamos o desenvolvimento das necessidades humanas mais básicas de amor, da bondade, da cooperação e do afeto. Se não conhecemos alguém ou não nos sentimos conectados a um indivíduo ou grupo particular, nós simplesmente os ignoramos. Mas o desenvolvimento da sociedade humana é completamente baseado nas pessoas que se ajudam. Uma vez que perdemos a essência da nossa humanidade, ficamos destinados a perseguir somente o desenvolvimento material.
Para mim, está claro: um verdadeiro sentimento de responsabilidade pode originar-se somente se nós desenvolvermos a compaixão. Somente um sentimento espontâneo de empatia pelos outros pode realmente nos motivar para agirmos em favor dos interesses deles.

(Traduzido por Thilie Busato Sproesser e revisado por Sheila Busato.)

2 de jun. de 2009




Bodisattva é um termo do budismo que designa seres de sabedoria elevada, que seguem uma prática espiritual que visa a remover obstáculos e beneficiar todos os demais seres. A expressão significa, em tradução literal do sânscrito, "ser (sattva) de sabedoria (bodhi)".

15 de mai. de 2009

Caminhos da Realização - dos medos do Eu ao mergulho no Ser, de Jean-Yves Leloup

OS MEDOS DE JONAS E OS NOSSOS MEDOS
Maslow e a psicologia humanista fazem de Jonas o arquétipo do homem que tem medo da realização. O homem que foge da sua vocação , da sua palavra exterior ou dos acontecimentos numinosos. Alguns de nós encontramos esta outra dimensão em determinadas circunstâncias, não somente por uma palavra, mas na natureza, durante uma doença, após um acidente, através de uma experiência amorosa ou admirando uma obra de arte. Cada um sabe em que momento numinoso o tocou, o questionou, o inquietou, para convida-lo a se tornar um ser mais autêntico. Antes de falar deste medo do numinoso e desta recusa provocada pelo convite à profundidade, a esta realização do Self por meio da superação do Eu, é preciso observar os diferentes medos que precedem este medo da transcendência.
O medo do sucesso
Em 1915, Freud observou, tratando as neuroses, um fenômeno inesperado em alguns de seus pacientes: o sucesso profissional provocava neles uma grande ansiedade. Freud explicou este fato através de um postulado: “Para algumas pessoas, o sucesso equivale a uma morte simbólica do genitor do mesmo sexo”. Quando conseguimos alguma coisa, temos medo de humilhar nossos pais. Uma tal idéia vai criar, junto à ansiedade, um sentimento de culpa, produzindo um estado de melancolia que pode durar vários anos. Freud descrevia essas pessoas como aquelas a quem o sucesso destrói. Pelo medo de fazer melhor que os seus pais, de vencer onde eles não conseguiram, seja a nível profissional, seja a nível afetivo. Este medo existe em crianças, mas frequentemente o encontramos em adultos também. Adultos que não se permitem ser felizes como casais porque na união de seus pais havia muito sofrimento ou adultos que se sentem culpados por ganhar dinheiro se em sua família não se ganha dinheiro. Isso pode parecer curioso, porque nós sempre desejamos que nossos filhos sejam melhores do que nós fomos. É o que os pais geralmente dizem. Eles dizem... mas nem sempre dizem de todo o coração, pois se um filho torna-se mais rico ou mais feliz, ele lhes escapa, sai da família e inconscientemente (nós estamos na esfera do inconsciente, é claro) eles seguem seus filhos no mesmo estado social em que eles pararam e no mesmo estado de dificuldade afetiva em que eles pararam.Enquanto o sucesso fica ao nível do sonho, do desejo, a neurose do sucesso não necessariamente se manifesta, mas desde que este sucesso se torna uma realidade, por exemplo, após uma promoção, pode ser que aquele que foi beneficiado não o suporte. Talvez vocês conheçam pessoas com este tipo de problema – que obtiveram uma promoção e, curiosamente, em vez de se alegrarem, adoeceram. Freud dirá que as pessoas adoecem, porque um de seus sonhos, o mais profundo e duradouro, se realiza. Não é raro que o Ego tolere um sonho como inofensivo, enquanto sua existência for apenas uma projeção e que pareça nunca se realizar. É como quando sonhamos ter um homem ou uma mulher e, quando ele ou ela estão lá, nós achamos nosso sonho improvável e o ignoramos. O Self pode, entretanto, defender-se arduamente desta situação, desde que a realização se aproxime e a concretização seja uma ameaça. Eu creio que este estudo é muito interessante porque existem entre nós muitas pessoas que sonham, que idealizam o sucesso, a plenitude. No entanto, por que estes sonhos jamais se realizam? Eu conheço homens e mulheres muito inteligentes que se organizam sempre e de tal maneira que fracassam em seus exames quando têm capacidade de vence-los. Por que? É o que nós chamamos de neurose do fracasso. No momento em que vamos vencer, no momento em que nosso sonho vai se realizar, inconscientemente nos arranjamos para falharmos. Podemos observar este mecanismo em algumas pessoas como um processo muito doloroso e incompreensível. Neste contexto, poderíamos dizer que Jonas recusa a voz interior do Ser que o chama, que o chama para que se supere, porque desta maneira ele superará seu pai. Esta é uma explicação edipiana da neurose do fracasso. Tememos o sucesso e suas repercussões, pelo medo de ultrapassarmos nossos pais, seja em felicidade, em educação, em fortuna ou em status. Podemos, assim, nos tornarmos uma ameaça para nossos pais e sermos rejeitados por eles. Vocês percebem que é sempre a presença desta criança em nós que tem medo de não ser amada, que tem medo de não ser reconhecida. Freud dá, igualmente, o exemplo de um professor universitário que durante muitos anos aspirara à cátedra do seu mestre. Quando seu sonho se realizou, pela aposentadoria do seu mestre, ele foi invadido por uma depressão da qual só saiu depois de longos anos. Um psicólogo como Fenichel verá, como uma causa profunda do medo de vencer, o sentimento de indignidade. Temos, pois, de observar em nós a nossa relação com o sucesso. Nosso desejo do sucesso e nosso medo do sucesso. E neste medo do sucesso talvez esteja incluído um sentimento de indignidade – esta depreciação de si mesmo que talvez seja a herança de um certo número de julgamentos que nos foram dirigidos. Quando se repete a uma criança que ela nunca será nada, que ela não é inteligente ou que não sabe cantar, ela integrará esta programação. E se um dia ela chegar ao sucesso, inconscientemente, ela pensa que este sucesso não é justo. Citando Finchel: “O sucesso pode significar a realização de alguma coisa imerecida, que acentua a inferioridade e a culpa. Um sucesso pode implicar não somente em castigo imediato, mas também em aumento de ambição, levando ao medo de futuros fracassos e de sua punição.” Para Karen Horner, o medo do sucesso resulta do medo de suscitar inveja nos outros, com perda consequente do seu afeto. Alguns têm medo de vencer porque não querem que os outros sintam ciúmes dele, o que é muito arcaico. Os gregos expressavam isso da seguinte maneira: “Os deuses têm inveja do sucesso dos homens.” Porque eles consideravam que o sucesso dos homens retirava as suas prerrogativas. A maioria dos primitivos pensa que muito sucesso atrai para o homem um perigo sobrenatural. Heródoto, em particular, vê em todos os lugares da história a obra da inveja divina. Quando os homens e mulheres são muito ambiciosos, atraem toda sorte de infelicidades. Só está seguro o homem que é obscuro. “Para viver feliz, viva escondido”, para viver feliz, viva deitado.
O medo da diferença
Neste momento reencontramos o arquétipo de Jonas. Talvez ele esteja buscando, através da sua fuga do chamado de Deus, o anonimato mais do que a afirmação da sua própria personalidade. É interessante observar nesta passagem, que alguns podem utilizar a mística, os ensinamentos espirituais para fugir da sua personalidade e regredir ao impessoal ao invés de supera-la. Neste aspecto, a espiritualidade pode servir de pretexto para fugir à afirmação do seu Eu. Afirmar-se é afirmar-se como diferente. Afirmar-se diferente não quer dizer afirmar-se contra, mas afirmar-se no que temos de próprio, na missão particular que nos foi dada para servir a todos. O que é pedido a Jonas é que ele não seja apenas um sábio que vive no anonimato de uma cabana no fundo do bosque, mas que seja também um profeta. O silêncio que está nele não é uma ausência de palavras, é a mãe da palavra. Antes de se calar, antes de saborear a beleza do silêncio, ele deverá dizer sua própria palavra. Antes de chegar a este estado de não-desejo e não-medo, no cume do nosso “vir-a-ser”, do nosso tornar-se, neste estado de Paz integrada, devemos viver esse desejo. Só poderemos supera-lo após tê-lo realizado. É preciso falar para ir além da palavra. É preciso desejar para ir além do desejo. Algumas vezes nós nos servimos da espiritualidade, nos refugiamos em um falso silêncio e em um não-desejo, que é uma ausência de vida, uma falta de vitalidade que está mais próxima da depressão do que do estar desperto, alerta, mais próximo da despersonalização do que da transpersonalização. Jonas teme o ciúme e a incompreensão dos seus irmãos. Ele teme ser rejeitado e morto pelo ostracismo de seu povo. Ele teme ser um “colaborador”, um inimigo do seu povo. O complexo de Jonas não é, apenas, um medo do sucesso, um sentimento de culpa diante do sucesso, um medo de suscitar inveja nos outros. O complexo de Jonas é, também, o medo de ser diferente, de ser rejeitado por aqueles que são diferentes. Rollo May dizia: “Muitos fatores provam que a maior ameaça, a causa mais nítida da angústia do homem ocidental contemporâneo, não é a castração, mas o ostracismo.” Ou seja, a situação considerada como terrível e aterrorizante é a situação de ser rejeitado pelo grupo ao qual pertencemos. Muitos de nossos contemporâneos passam por uma castração voluntária, isto é, renunciam ao seu poder, à sua originalidade, à sua independência, pelo medo da rejeição, do exílio. Eles adotam a impotência e o conformismo (para Rollo May o conformismo será a doença mais grave do nosso século) devido à ameaça eficaz e terrível do ostracismo. O conformismo sempre foi considerado necessário à sobrevida de um grupo e à sua harmonia interna, mas este conformismo pode se tornar opressivo e provocar doenças. Estes fenômenos são observados, algumas vezes, em certos grupos espirituais. Tomam-se as mesmas atitudes, a mesma maneira de olhar mais ou menos inspirada, repetem-se as mesmas frases, sem verdadeiramente pensar em integra-las. Entra-se, assim, em uma atitude mais ou menos esquizóide. Há aqueles que representam o papel que lhes é pedido, mas o Ser verdadeiro não está neles. Neste caso, ocorre uma espécie de mal-estar, que pode gerar uma doença. Um discípulo de São Tomás de Aquino um dia lhe perguntou: “Se minha consciência me pede para fazer alguma coisa e o Papa me pede para fazer outra, a quem eu devo obedecer?” Esta questão é muito atual. No lugar do Papa você pode colocar o seu guru, o sol ou a lua, uma pessoa ou autoridade suprema, a referência que você busca quando coloca uma questão profunda. O que acontece se esta autoridade lhe diz para fazer alguma coisa e o seu desejo interior lhe manda fazer outra? A quem obedecer? A qual voz escutar? Santo Tomás de Aquino dá uma resposta a seu discípulo que talvez surpreenda alguns. Ele não diz: “Obedeça ao Papa”, mas: “Obedeça à sua própria consciência, obedeça à sua consciência procurando esclarecê-la.” Não separe as duas partes da frase: “Obedeça à sua própria consciência” e, ao mesmo tempo, “procure esclarecê-la”. Essa frase de São Tomás de Aquino é uma boa frase terapêutica. Se ele tivesse dito: “É preciso obedecer ao Papa”, ele teria feito dessa pessoa um hipócrita ou um esquizofrênico. Esta atitude pode ser observada em alguns católicos ou em pessoas que pertencem a outros grupos humanos. Obedecem à autoridade, mas uma personalidade interior se dissocia, pouco a pouco, dos seus atos. Nesta divisão entre o que fazemos e o que pensamos vai se introduzir um mal-estar, ou um “estar mal” que gera a doença. Podemos nos enganar, mas não podemos mais nos mentir. É preciso aceitar que podemos nos enganar, mas ao mesmo tempo devemos buscar esclarecer o nosso caminho, mantendo ambos unidos. Por vezes, ter a coragem de nos diferenciarmos do nosso meio e daqueles que, para nós, constituem uma autoridade. Caso contrário, descobriremos que estamos nos destruindo naquilo que temos de mais autêntico. O medo de Jonas é o medo de ser diferente, de ser rejeitado por aqueles dos quais ele se diferenciou. O conformismo pode provocar um certo número de patologias. Quantos pássaros tiveram suas asas cortadas ou aparadas para que ficassem felizes e confortáveis em suas gaiolas douradas? Na lenda do Grande Inquisidor de Dostoievski, esse diz ao Cristo, que retorna à terra: “Vai ser preciso suprimi-lo novamente, porque você vai tornar as pessoas muito infelizes, tornando-as muito livres. Nós queremos tornar os homens felizes. Nós dizemos: faça isto ou aquilo e tudo correrá bem. Ao invés, você quer que os homens sejam livres. Você não diz: façam isso, façam aquilo. O homem é infeliz na sua liberdade. Nós queremos libertar o homem do peso da sua liberdade.” Este texto continua sendo atual. Estamos, incessantemente, à procura de alguém, de um ensinamento ou de uma instituição que nos diga o que é bom e o que é ruim e que nos isente do exercício da nossa liberdade. Um mestre verdadeiro não nos isenta da nossa liberdade. Ele nos dá elementos de reflexão, um certo número de exercícios ou de práticas a viver a fim de que nos tornemos livres por nós mesmos. Suas palavras não substituem as nossas palavras, elas nutrem nossas palavras. Seu desejo não substitui o nosso desejo. Não somos suas marionetes, seus soldadinhos ou discípulos fanáticos dos seus ensinamentos, mas nos tornamos pessoas livres, nutridas pelas luzes e pela riqueza que ele pode nos comunicar. A vontade de ser como todo mundo traz um sentimento de impotência excepcional. Os psicólogos humanistas vão nos mostrar que a pressão social é tal e tão forte que a maior parte das pessoas tenta resolver os seus problemas pessoais adaptando-se cegamente, às normas e aos valores do grupo. Cortados da sua atenção primária, empregam o critério de adaptação como o único ponto de referência para julgar se uma atitude, individual ou coletiva, é aceitável. Como dizia Harlow: “Parece que a pressão de se conformar (de se adaptar) às normas do grupo é irresistível, mesmo quando esta adaptação está claramente em conflito com as percepções, com as atitudes e convicções do indivíduo.” Este é um bom critério de discernimento. Um grupo são, saudável, é capaz de conter pessoas muito diferentes, que pensam de maneira diferente e que se enriquecem com suas diferenças. Porque se todos pensarem a mesma coisa, se todos entrarem na mesma concha, não pensaremos mais... Nossa relação deixará de ser uma relação de aliança e se tornará uma relação de submissão a uma doutrina comum. É como a água da chuva que, ao cair em um campo, gerasse flores de uma única cor. É interessante notarmos que, quando um ensinamento pode florescer sob diferentes formas, ele encontra aplicações em ambientes e mundos diferentes. É o sinal de que estamos num espaço que colabora para nossa evolução em vez de nos destruir, de nos bloquear.
O medo de mudanças
Muitos têm medo de mudanças, mesmo que esta mudança as abra a uma existência melhor e mais feliz. O abandono dos antigos hábitos, a perda do conhecido, cria em algumas pessoas um clima intolerável de insegurança. Não há realmente segurança senão no previsível, mesmo que isto signifique infelicidade e sofrimento.O desejo de segurança é muito pronunciado nos psicóticos. Em sua infância lhes foi ensinado que toda mudança é uma ameaça. A separação da mãe ou do ambiente familiar foi-lhes apresentado como o equivalente da morte e do caos. Esta noção vai criar, nestas pessoas, um medo de toda e qualquer mudança. Muita segurança impede a evolução da pessoa, mas muita liberdade vai causar também muita angústia. A criança não sabe mais quais são seus limites. Portanto, o medo de não ser como os outros vai gerar um outro medo: o medo de conhecer-se a si mesmo.
Jean-Yves Leloup, Editora Vozes, 1996. Inédito em francês.

11 de mai. de 2009

A força curativa da ecologia interior, de Leonardo Boff


Em tempos de crise como o nosso, procuramos fontes de inspiração lá onde estiverem. Uma delas é a ecologia interior. Para avaliar sua relevância precisamos conscientizar o fato de que nossa relação para com a Terra, pelo menos nos últimos séculos, está baseada em falsas premissas éticas e espirituais: antropocentrismo, negação do valo intrínseco de cada ser, dominação da Terra, depredação de seus recursos. Tais premissas produziram o atual estado doentio da Terra que repercute na psiqué humana. Assim como existe uma ecologia exterior, existe também ecologia interior feita de solidariedade, sentimento de re-ligação com o todo, cuidado e amorização. Ambas as ecologias estão ligadas umbilicalmente. É o que se chama de psicologia ambiental ou, na expressão de E. Wilson, de biofilia. Sua base não é só antropológica mas também cosmológica. Pois o próprio universo, segundo renomados astrofísicos como Brian Swimme entre outros, teria uma profundidade espiritual. Ele não é feito do conjunto dos objetos mas da teia de relações entre eles, fazendo-os sujeitos que trocam entre si informações e se enriquecem. A partir da ecologia interior, a Terra, o sol, a lua, as árvores, as montanhas e os animais não estão apenas ai fora, mas vivem em nós como figuras e símbolos carregados de emoção. As experiências benfazejas ou traumáticas que tivermos feito com estas realidades deixaram marcas profundas na psiqué. Isso explica a aversão a algum ser ou afinidade com outro. Tais símbolos fundam uma verdadeira arqueologia interior, cujo código de decifração constituíu uma das grandes conquistas intelectuais do século XX com Freud, Jung, Adler, Lacan, Hillmann e outros. No mais profundo, consoante C.G. Jung, brilha o arquétipo da Imago Dei, do Absoluto. Ninguém melhor que Viktor Frankl trabalhou esta dimensão que ele chama de inconsciente espiritual e os modernos de mystical mind ou ponto Deus no cérebro. Esse inconsciente espiritual, em último termo, é expressão da própria espiritualidade da Terra e do universo que irrompe através de nós porque somos a parte consciente do universo e da Terra. É essa profundidade espiritual que nos faz entender, por exemplo, esta exemplar atitude ecológica dos indígenas Sioux dos EUA. Eles se deleitam, em algumas festas rituais, com certo tipo de feijão. Este cresce fundo no solo e é de difícil coleta. Que fazem os Sioux? Aproveitam-se então dos estoques que uma espécie de rato das pradarias da região faz para seu consumo no inverno. Sem essa reserva correriam sério risco de morrer de fome. Ao tomar seus feijões, os indígenas Sioux têm clara consciência de que estão rompendo a solidariedade com o irmão rato e que o estão roubando. Por isso, fazem comovente oração: "Tu, ratinho, que és sagrado, tenha misericórdia de mim. Tu és, sim, fraco, mas forte suficiente para fazeres o teu trabalho, pois forças sagradas se comunicam contigo. Tu és também sábio, pois a sabedoria das forças sagradas sempre te acompanham. Que eu possa ser também sábio em meu coração para que esta vida sombria e confusa seja transformada em permanente luz". E como sinal de solidariedade, ao retirar o feijão, deixam em seu lugar porções de toucinho e de milho. Os Sioux sentem-se unidos espiritualmente aos ratos e à toda a natureza. Este espírito de mútua pertença urge ressuscitar porque o perdemos pelo excesso de individualismo e de competição que subjazem à crise atual. O sistema imperante exaspera o desejo de ter à custa de outro mais fundamental que é o de ser e o de elaborar a nossa própria singularidade. Este demanda capacidade de opôr-se aos valores dominantes e de viver ideais ligados à vida, ao seu cuidado, à amizade e ao amor. A ecologia interior também chamada de ecologia profunda (deep ecology), procura acordar o xamã que se esconde dentro de cada um de nós. Como todo xamã, podemos entrar em diálogo com as energias que trabalham na construção do universo há 13,7 bilhões de anos. Sem uma revolução espiritual será difícil sairmos da atual crise que exige um novo acordo com a vida e com a Terra. Caso contrário, seguiremos errantes e solitários.

7 de abr. de 2009

O Mudo e o Papagaio


Um jovem monge foi até o mestre Ji-shou e perguntou:
"Como chamamos uma pessoa que entende uma verdade mas não pode explicá-la em palavras?"
Disse o mestre:
"Uma pessoa muda comendo mel".
"E como chamamos uma pessoa que não entende a verdade, mas fala muito sobre ela?"
"Um papagaio imitando as palavras de uma outra pessoa".


(Koan, Zen)

17 de mar. de 2009

Redescobrir


Composição: Gonzaguinha

Como se fora brincadeira de roda, memória
Jogo do trabalho na dança das mãos, macias
O suor dos corpos na canção da vida, história
O suor da vida no calor de irmãos, magia

Como um animal que sabe da floresta, perigosa
Redescobrir o sal que está na própria pele, macia
Redescobrir o doce no lamber das línguas, macias
Redescobrir o gosto e o sabor da festa, magia
Vai o bicho homem fruto da semente, memória

Renascer da própria força, própria luz e fé, memória
Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós, história
Somos a semente, ato, mente e voz, magia
Não tenha medo, meu menino povo, memória
Tudo principia na própria pessoa, beleza

Vai como a criança que não teme o tempo, mistério
Amor se fazer é tão prazer que é como se fosse dor, magia
Como se fora brincadeira de roda, memória
Jogo do trabalho na dança das mãos, macias
O suor dos corpos na canção da vida, história

16 de mar. de 2009

Bem sei eu da fonte


Aquela eterna fonte escondida,
mas eu bem sei onde ela tem guarida
mesmo de noite.
Da minha vida, nesta noite escura,
mostra-me a fé, a fria fonte pura,
mesmo de noite.
Sua origem não sei, pois não a tem,
mas sei que toda origem dela vem,
mesmo de noite.
Sei que não pode haver coisa mais bela,
e terra e céus se dessedentam nela,
mesmo de noite.
Sei que ela não tem leito a assoalhá-la,
por isso ninguém pode vadeá-la,
mesmo de noite.
A sua claridade jamais finda,
e sei que toda luz dela é provinda,
mesmo de noite.
Que impetuosas são suas correntes!
Regando vão infernos, céus e gentes,
mesmo de noite.
E dessa fonte nasce uma corrente
que, bem sei, vigorosa e onipotente,
mesmo de noite.
Essa corrente, sei, de duas procede,
e ambas não têm nenhuma que as precede,
mesmo de noite.
Aquela viva fonte está escondida
em um Pão vivo para dar-nos vida,
mesmo de noite.
É dali que ela chama as criaturas
que, desta água, se fartam às escuras,
mesmo de noite.
Aquela viva fonte que desejo
é neste Pão sagrado que eu a vejo,
mesmo de noite.
(São João da Cruz, in: Poesia para meditação - Ed. Paulinas)

12 de mar. de 2009

Vem, Senhor


Não sorrias,
dizendo
que já estás conosco.
Há milhões que não Te conhecem.
E de que basta conhecer-Te,
de que adianta Tua vinda,
se para os Teus
a vida continua igual!?...
Converte-nos!
Revolve-nos!
Que a Tua mensagem
se torne carne de nossa carne,
sangue de nosso sangue,
razão de ser de nossa vida.
Que ela nos arranque
do comodismo
da boa consciência!
Seja exigente,
incômoda,
pois só assim
nos trará a paz profunda,
a paz diferente,
a Tua paz!...

(Dom Helder Câmara, in. O Deserto é fértil, Ed. Civilização Brasileira, p. 26)

10 de mar. de 2009

O Conhecimento de si mesmo

"O homem tem muitas peles em si mesmo, que lhe cobrem as profundezas do coração. O homem conhece tantas coisas, mas não conhece a si mesmo. Ora, trinta ou quarenta peles ou couros, inteiramente semelhantes aos de um boi ou de um urso, igualmente grossos e duros, recobrem a alma. Penetre no seu próprio fundamento e aprenda ali a conhecer-se."
(Mestre Eckhart, in: A filosofia Perene, de Aldous Huxley)
Pintura "Mistério e melancolia de uma rua", de Giorgio de Chirico.

9 de mar. de 2009

Sabedoria e Compaixão de Dalai Lama


"Que eu me torne em todos os momentos, agora e sempre, um protetor para os desprotegidos, um guia para os que perderam o rumo, um navio para os que têm oceanos a cruzar, uma ponte para os que têm rios para atravessar, um santuário para os que estão em perigo, uma lâmpada para os que não têm luz, um refúgio para os que não têm abrigo e um servidor para todos os necessitados."

(Dalai-Lama)

6 de mar. de 2009

Viaja dentro de ti


"Pudesse a árvore vagar
e mover-se com pés e asas,
não sofreria os golpes do machado
nem a dor de ser cortada.

Não errasse o sol por toda a noite,
como poderia ser o mundo iluminado
a cada nova manhã?

E se a água do mar não subisse ao céu,
como cresceriam as plantas
regadas pela chuva e pelos rios?

A gota que deixou seu lar, o oceano,
e a ele depois retornou,
encontrou a ostra à sua espera
e nela se fez pérola.

Não deixou José seu pai
em lágrimas, pesar e desespero,
ao partir em viagem para alcançar
o reinado e a fortuna?

Não viajou o Profeta
para a distante Medina
onde encontrou novo reino
e centenas de povos para governar?

Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol fora de ti.

A viagem te conduzirá a teu ser,
transmutará teu pó em ouro puro.

Ainda que a água salgada
faça nascer mil espécies de frutos,
abandona todo amargor e acridez
e guia-te apenas pela doçura.

É o Sol de Tabriz que opera milagres:
toda árvore ganha beleza
quando tocada pelo sol.


(Djalal Ud-Din-Rumi, poema do livro Poemas Místicos)

2 de mar. de 2009

Silêncio

"De manhã, passamos uma hora em silêncio. Quando trabalhamos, não falamos, a menos que seja necessário. Onde quer que vá, irá perceber o silêncio em nossas atividades.
Pois é no silêncio do coração que Deus fala."


(Madre Teresa, em conversa com Navin Chawla, 26 de março de 1996, Calcutá - trecho extraído do livro Fé e Compaixão - a vida e o trabalho de Madre Teresa, de Navin Chawla e Raghu Rai - Editora C. Roka)

28 de fev. de 2009

Caminhos de Bem-Aventurança


“O ser humano-corpo-alma tem singularidade: pode sentir-se parte do universo e com ele conectado; pode entender-se como filho e filha da Terra, um ser de interrogações derradeiras, de responsabilidade por seus atos e pelo futuro comum com a Terra. Ele não pode furtar-se a perguntas que lhe surgem ineludivelmente: Quem sou eu? Qual é o meu lugar dentro desta miríade de seres? O que significa ser jogado nesse minúsculo planeta Terra? Donde provém o inteiro universo? Quem se esconde atrás do curso das estrelas? O que podemos esperar além da vida e da morte? Porque choramos a morte dos nossos parentes e amigos e a sentimos como um drama sem retorno?Ora, levantar semelhantes interrogações é próprio de um ser portador de espírito. Espírito é aquele momento do ser humano corpo-alma em que ele escuta estas interrogações e procura dar-lhes uma resposta. Não importa qual seja: se através de estórias mitológicas, de desenhos nas paredes das cavernas como em Cromagnon na França e nas grutas de S. Raimundo Nonato no Piauí, Brasil, ou se através de sofisticadas filosofias, ritos religiosos e conhecimentos das ciências empíricas. O ser humano como um ser falante e interrogante é um ser espiritual.Cuidar do espírito significa cuidar dos valores que dão rumo à nossa vida e das significações que geram esperança para além de nossa morte. Cuidar do espírito implica colocar os compromissos éticos acima dos interesses pessoais ou coletivos. Cuidar do espírito demanda alimentar a brasa interior da contemplação e da oração para que nunca se apague. Significa especialmente cuidar da espiritualidade experienciando Deus em tudo e permitindo seu permanente renascer no coração. Então poderemos preparar-nos, com serenidade e jovialidade, para a derradeira travessia e para o grande encontro.”

Trecho extraído do livro: “Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra, de Leonardo Boff - Ed. Vozes”.

O Milagroso

"Podes caminhar sobre a água? Não terás feito mais do que faria um pedacinho de palha. Podes voar pelo ar? Não terás feito mais do que faria uma mosca-varejeira. Sujeita o teu coração; aí, então, poderás se alguém."

(Ansari de Hérat, in: A Filsofia Perene - Aldous Huxley).

Parte da Natureza


"A montanha -
torno-me uma parte dela.
As ervas, o pinheiro -
torno-me uma parte deles.

A névoa da manhã,
as nuvens, as águas que confluem -
torno-me uma parte delas.

O sol
que desliza sobre a terra -
torno-me uma parte dele.

O mato,
a gota de orvalho,
o pólen das flores -
torno-me uma parte deles."

(Oração dos Navajos, in: Princípio de compaixão e cuidado, Leonardo Boff com a colaboração de Werner Muller, Editora Vozes).

27 de fev. de 2009

O Giro dos Dervixes




"Um giro secreto em nós
faz girar o universo
A cabeça desligada dos pés,
e os pés da cabeça. Nem se importam.
Só giram, e giram."

(Djalal al-Din Rumi)